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Mitos e Lendas; Informática e Direito - Comentários

Colaboração: Rubens Queiroz de Almeida

Data de Publicação: 20 de Março de 2003

A mensagem veiculada no dia 6 de março, http://www.dicas-l.com.br/dicas-l/20030306.shtml, de autoria do Dr. Alexandre Coutinho Ferrari, autor do livro Proteção Jurídica de Software - Guia Prático para Programadores e Webdesigners, publicado pela Novatec (http://novateceditora.com.br/livros/protecaojuridica/), gerou uma saudável controvérsia. Eu recebi diversas mensagens, que encaminhei ao Dr. Alexandre.

No intuito de esclarecer os pontos levantados, o Dr. Alexandre escreveu um texto mais detalhado que incluo a seguir.

A questão da GPL no Brasil é objeto de muitas dúvidas. Em praticamente todos os eventos sobre software livre sempre paira no ar a dúvida sobre a validade da GPL e de quanto estamos protegidos ao adotar esta licença.

Salve ! Primeiramente agradeço a atenção dada por todos, pois esse tema precisa mesmo ser bem analisado.

Bem, a questão é que houve grande confusão, pois pequei ao preferir em ser conciso, preterindo argumentar alguns importantes conceitos do Direito. O resumo foi incompreensão por parte de muitos, pelo que peço desculpas.

Entretanto, humildemente creio não ter me equivocado nas colocações, apenas pequei em não explicar detalhadamente conceitos que não são notórios, mas o texto ficaria muito extenso, todavia tentarei ser mais claro, pedindo licença pelo tamanho do texto que agora escrevo.

Inicialmente esclareço que o Direito não "cria" uma Lei, apenas regulamenta por Lei uma situação já existente em nossa sociedade, levando em conta os costumes e alguns preceitos básicos já previstos.

Assim surgiu a Lei de Software.

Porém, em meu ponto de vista, mesmo ajudando em muitos pontos não foi eficaz em outros, pois não pôde abranger inteiramente todas as situações, pelo que merece algumas alterações.

Contudo, alterar a legislação é algo complicado e altamente demorado. Assim, sugiro em minhas palavras uma adequação em nossa rotina, ao usarmos alguns conceitos estrangeiros, para evitar problemas com a lei.

Esse assunto é muito extenso para que se possa ter uma aceitação total da idéia, mas tentarei fazer um resumo, até que consigamos a alteração necessária na Lei.

Sou pessimista sim, mas sou pago para ser exatamente assim. Estudo para poder prever situações de risco e eliminar possibilidades de catástrofes aos meus clientes. Mas apenas empenho-me em questões reais. Imaginei que tal assunto poderia ser de interesse de muitos, pois todos que me procuraram tiveram exatamente essa intenção.

No mínimo, é importante conhecer esses fatores, depois a decisão caberá a cada um. Mas no geral, mais importante ainda é que todos possam entender e colaborar.

Por isso é importante a ajuda de todos os programadores, para que os profissionais do Direito possam ter acesso às informações que não são comuns à eles. Só com o apoio dos programadores é que será possível uma correta legislação e essa é minha idéia, pelo que peço a paciência de todos para lerem esse artigo.

Abaixo seguem algumas das críticas que o texto (http://www.dicas- l.unicamp.br/dicas-l/20030306.shtml) inicial recebeu, em dez tópicos, para uma tentativa de melhor expor o problema, lembrando, não busco uma discussão jurídica, assim muitos conceitos serão novamente esquecidos, pois esse é um mero texto e não deve se alongar demasiadamente:

1. A gratuidade do Software Livre;

No Direito há diversos ditados notórios. Bem, um deles é que "o que não está diretamente previsto está tacitamente permitido".

O Projeto GNU é uma intenção de desenvolvimento, baseado na liberdade. Uma das formas de dar continuidade ao GNU é adotar o Software Livre.

Assim, pela fonte de informação (http://www.gnu.org/philosophy/free- sw.pt.html) básica de conceitos, um Software Livre visa ser "livre" e um desses pré-requisitos é o código fonte estar liberado, outro é a liberdade de distribuição.

Não há no Brasil como se "cobrar" por algo sem se envolver com as regras do Código Civil, em particular com o Direito das Obrigações.

Nos conceitos básicos do Software Livre, não há como "cobrar", por isso tem que ser gratuito. Mesmo porque se "não é diretamente previsto, é tacitamente permitido", ou seja, se não tem previsão direta de cobrança vence a regra geral da gratuidade, melhor, o "específico derroga o geral" (outro notório ditado), assim, não havendo previsão do "específico" fica valendo, sempre, o "geral", isto é, a gratuidade.

Cobrar pelo custo de transferência física é outra coisa. E isso não altera a gratuidade que trato.

Por fim, por diversos elementos, para se "cobrar" algo teria, primeiro, que desvirtuar todo o conceito de Software Livre para poder, então, ter um produto final (isso também é tratado no livro que escrevi).

O fato da "cobrança" de algum valor gera, além de obrigações regradas pelo Código Civil e tributação, vínculo pelo Código de Defesa do Consumidor e isso traz um desencadeamento gigantesco de outros fatores, por isso afirmo, no fim o programa não poderia mais ser tratado como Software Livre, mas isso já envolveria uma discussão para outro livro, com conceitos específicos que não devem aqui ser tratados.

Entendo a resistência de muitos, pois eu que estudo o Direito há tempos também me recuso a crer em certas posições, mas infelizmente é assim e tem que ser mudado.

Não que seja uma "vontade minha" de ignorar os conceitos do GNU e similares, mas são pontos conflitantes da Lei e isso seria assunto para muitas páginas, como já foi em centenas de mensagens em listas de discussões e outras mais.

Nunca tentei "forçar" interpretação, apenas mostrar que não temos uma Lei perfeita para nossos anseios, pelo que merece, então, apoio dos programadores, para que a Lei possa melhor prever tais fatos.

No meu livro também relatei casos que apreciei e isso é prova de que fatos simples assim podem se tornar aborrecimentos grandes. A resistência para entender a Lei é o primeiro passo para criar o caos, quando na verdade deveríamos estar apenas tentando alterar a Lei para que nenhum dano possa ser gerado e essa é minha intenção.

Ao menos, até termos uma Lei melhorada, o mínimo a se fazer é ter algumas cautelas. Ignorando o problema não teremos a solução.

2. Um programa sob "Copyleft" não é exatamente um programa registrado como "Copyright" e licenciado sob GPL ou alguma licença derivada desta? E portanto, tudo que se aplica a "Copyright" não deveria ser aplicado a "Copyleft"?

Não, isso seria algo totalmente controvertido frente à previsão legal.

Os conceitos de liberdade do CopyLeft conflitariam totalmente com as exigências do registro nacional.

Para se registrar um programa de computador o código fonte tem que ser entregue totalmente e ninguém mais poderá solicitar ao INPI uma cópia do mesmo, nem o próprio autor do programa, caso este tenha transferido os direitos.

Esse e outros fatores fazem com que a idéia do registro do programa seja algo totalmente contrário aos preceitos do CopyLeft que praticamente exigem a abertura do fonte.

Mas registrar um programa com o conceito do CopyLeft é permitido ? a resposta é sim, mas o programador jamais poderia, no futuro, reclamar sua propriedade frente a um programa supostamente "copiado" dele, tornando o registro um ato inócuo.

Isso parece loucura, mas na prática seria isso. Por que? simples, no INPI tudo está dentro de uma limitação de especificações, como uma cadeira, que é registrada com um design. Se alguém quiser criar outro design basta alterar os limites da proteção dada ao produto e pronto, já não mais será uma "cópia ilegal", mas um produto original.

"Na prática a teoria é outra" (ditado popular). Mas qual é o limite da especificação de um programa de computador protegido pelo INPI ? até onde um outro programa poderia ir sem ser considerado uma "cópia ilegal", mas sim um produto original ?

Entendem ? Com o código fonte aberto e livre, como prega a GPL, já imaginaram a confusão ?

Outro ponto é cruel, a Lei de Direito Autoral prevê que a "idéia" não é protegida de forma alguma (artigo 8º).

Assim, a idéia de empregar determinado programa à uma determinada função, usando determinado caminho não seria protegida, nem mesmo pelo registro.

A idéia não sendo protegida, o código fonte estando aberto e não havendo correto entendimento onde se encontra o limite de especificação da proteção ao programa registrado, qualquer programa, propriamente dizendo, pode ser "subtraído" e colocado no mercado, e o prejudicado seria o criador inicial.

Lamento se a idéia não foi totalmente entendida, mas esse assunto também é altamente delicado e extenso, mas temos que continuar o texto.

3. Já que pela lei brasileira, mesmo não registrado, um programador ainda assim detém propriedade sobre o programa que criou, o que muda quando ele estebelece que os termos de uso desse programa serão os mesmo regidos pela GPL? (sic)

Bem, na verdade o programa não registrado pode não dar a liberdade esperada aos programas regrados pela GPL, pois não estaria seguindo seus conceitos.

Como exposto na questão 2, o registro e o projeto GNU são opostos.

O programa não registrado dá liberdade ao criador de escolher seu futuro, sua distribuição, conceito e outros, mas o programa sob a égide do GNU tem que seguir seus caminhos doutrinários, o que impossibilitaria da correta proteção legal, como trata a questão 2.

Bem, na minha forma de pensar e de outros (dezenas) de profissionais do Direito, a proteção e o projeto GNU são caminhos separados e nem sempre poderão ser percorridos ao mesmo tempo.

A única forma de isso ser possível é cuidar bem da Licença de Uso, tomando cuidado para não conflitar com a legislação vigente, seguindo algumas diretrizes do Código Civil, orientando corretamente o usuário final quanto ao programa e, jamais, usando somente os conceitos da GPL.

4. Se utilizar a GPL para lincenciar um programa meu, seguindo as diretrizes indicadas pela FSF (Free Software Foundation), corro o risco de perder a propriedade desse programa? Não que me preocupe em tê-lo como propriedade, mas sim, em mantê-lo sob a GPL, para que todos possam usufruí-lo e melhorá-lo;

Perder o programa diretamente não, mas você não poderá impedir que outro se aposse dele e lhe dê um caminho comercial, por exemplo, como já comentado na questão 2.

Eu vi um caso real assim, de proporção razoável e o programador deixou de obter um bom lucro com isso. Teve a idéia e realizou a criação. Outro levou a fama e o cheque. Nada pôde ser feito. A prática é algo que vai além do texto legal e muito além da GPL.

No caso, haveriam dois programas, o seu e o "outro", que poderia receber uma pequena dose de "personalidade própria" e se dizer um programa original, nada podendo fazer a GPL ou até mesmo o INPI.

Todo cuidado é pouco. Mas devo frisar que essa minha preocupação não se aplica aos que não têm qualquer intenção lucrativa na carreira.

5. Renuncia-se ao direito autoral ao usar o CopyLeft ?

Troca-se o nome do santo e o milagre continua o mesmo, em palavras simples.

Duas são as situações.

Uma é quem altera a o programa, até pode levantar a paternidade da alteração, mas nunca a do Software. Essa é uma forma de renúncia sim, pois a Lei nacional prevê que quem corrobora na confecção do Software, de qualquer forma, passa a ser um co-autor.

No caso do CopyLeft não haverá, então, co-autoria, mas autoria distinta de cada quota parte do programa.

Novamente friso humildemente que essa não é uma vontade minha, é a Lei.

Outra é quando o criador original também não pode invocar a paternidade do programa alterado, mas apenas da parte que lhe coube, diferentemente do previsto em Lei.

Isso parece algo simples, mas é fato gerador de discussão altamente preocupante em áreas como O Direito Tributário, Direito de Sucessão, Direito de Responsabilidade Civil e outros.

Não é tão simples assim. Não basta dizer que a GPL fala isso ou aquilo, no Direito tudo tem um reflexo e que este pode repercutir em centenas de outras situações.

6. Qual seria o fundamento dessas afirmações? No tocante à situação no exterior, o registro de softwares livres é recomendado pela Free Software Foundation. Atente-se por exemplo para a seguinte frase no faq da GPL (entre outras): "registering the copyright in the US is a very good idea";

Exato, mas a FSF não é Brasileira. E a orientação é o registro nos Estados Unidos, como você mesmo destacou.

Não estou querendo criar confusão, estou apenas tentando ilustrar alguns dos problemas que já existiram.

Há duas formas de aprendermos algo, errando por nós mesmos ou analisando os erros dos outros (filosofia chinesa).

É só o que tento passar, com total reverência a todos.

7. Alguém poderia apontar-me onde está escrito na GPL que quem altera o fonte renuncia aos seus direitos? Tanto a GPL quanto a definição de software livre permitem até mesmo que as alterações sequer sejam publicadas, no caso de uso privado. Sobre isso, consulte-se o já citado faq da GPL;

Realmente, a GPL não diz isso, mas a minha intenção não é criticar a GPL, nem nunca foi.

Devo ter me expressado erradamente, pelo que peço desculpas. A questão da renúncia foi colocada em questões anteriores.

O que tento fazer é demonstrar que a GPL tem um conceito onde foi criada e não podemos forçar que aqui no Brasil seu conteúdo seja integralmente absorvido por nossa Lei despreparada.

Sou um adorador da tecnologia e torço pelo projeto GNU, por isso dedico meu tempo para tentar melhorar a nossa Lei, para que um dia o conceito GNU possa ser integralmente aceito, sem qualquer restrição.

Mas até esse dia chegar, imaginei que muitos seriam gratos por conhecer certos riscos desconhecidos, riscos que prejudicaram alguns, alguns que eu mesmo conheci e não pude ajudar muito, pois cautelas foram ignoradas, crendo em conceitos que a Legislação teima em não conhecer.

8. Aparentemente existe um abismo cognitivo entre os que entendem a idéia filosófica do Software Livre, e em particular, da GPL, e aqueles que se esforçam por encarar o fenômento Software Livre dentro do sistema legal brasileiro;

Sim, exatamente isso. Por isso venho pedir a licença de todos, para expor certos fatos que não são inteiramente conhecidos, visando obter o apoio máximo dos maiores entendedores e entusiastas, para que um dia o Direito Brasileiro possa melhor receber tais conceitos.

Se alguma mudança tiver que vir, terá que partir de alguém ou algum grupo.

9. O Ferrari argumentou que a GPL pode ser um fiasco diante da legislação brasileira. Por isso eu pergunto: Esqueça a forma da GPL, e vamos direto às intenções. É possível formular uma licença brasileira que respeite as mesmas intenções? Se a legislação não permite, quais são os trade-offs? Quem seria o Moglen brasileiro?

Esse é o espírito! Nem é preciso tanto, não precisa esquecer a forma da GPL nem criar nada novo.

Ter algumas cautelas, respeitar um pouco o Código Civil e conhecer alguns pontos do Código de Defesa do Consumidor já será o suficiente para cercar detalhes que darão total, ou bem melhor, proteção ao Software e até mesmo aos seus criadores, seja ele um Software Livre, um CopyLeft, Freeware ou outro.

Ser um Moglen brasileiro é algo que acredito que ninguém terá a audácia para se intitular, mas podemos seguir seus passos e fazer o melhor possível.

Pode ser feita uma "receita de bolo" para orientar melhor quem quiser seguir os conceitos do projeto GNU sem esbarrar nas quinas do Direito Brasileiro.

Isso será feito com a ajuda de todos, ordenada e organizadamente.

Se você teve o interesse de ler esse texto até o fim é porque tem interesse no tema e pode dar uma valiosa colaboração à tentativa, não é mesmo ?

10. Comentário: Diferentemente do exposto, acredito que os principios e as fontes do Direito brasileiro sao suficientes para lidar com as possiveis vertentes da referida discussao.O Direito possui suas filiacoes e a nossa e de carater romano com forte influencia alema.Temos que nos ter a todos os elementos juridicos legais para que qualquer decisao colegiada nao fundada em tais principios ou mesmo sem qualquer referencia tecnica idonea venha a criar um precendente destituido de eficacia real. (comentário copiado na íntegra, sem qualquer alteração).

Posso estar enganado, mas sinto-me a vontade em debater tal assertiva em momento próprio, pois já colacionei 17 casos pitorescos de extrema confusão frente a qualquer fonte originária do direito, o mais novo foi acerca do artigo 704 do Código Civil, que regra condições de comissão por território. Bem, isso está gerando polêmica sobre as transações na Internet, mas esse assunto pode ser um próximo tema.

Mas isso mostra que o Direito está sempre em mutação, acompanhando as gerações e suas mudanças, pois o direito não cria Leis, regulamente situações já existentes e é isso que podemos fazer.

Por fim, saliento que a questão da garantia nem foi aqui tratada, pois nota-se que tal questão já se pacificou em http://pontobr.org/article.php?sid=187

Espero que esse texto tenha melhorado a compreensão da idéia, além de conseguir ganhar o apoio para eventuais modificações.

Abraços!

Alexandre C Ferrari.

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